Como funcionam as avaliações de vinho. E como usá-las para escolher vinhos?
Post inspirado pelo: How Wine Ratings Work | Wine Folly
As notas que vemos nos rótulos ou em revistas especializadas não foram criadas para dizer simplesmente se um vinho é “gostoso” ou não. Na verdade, as avaliações procuram medir a qualidade da produção e o quanto o vinho expressa de forma fiel a região e o estilo a que pertence. É uma forma de traduzir em números aquilo que envolve técnica, tradição e identidade do terroir [1].
A escala de 100 pontos, hoje tão conhecida, foi popularizada nos anos 1980 pelo crítico Robert Parker. Ele estabeleceu um sistema que partia de 50 pontos e poderia chegar a 100, levando em conta cor, aparência, aroma, sabor e também o potencial de envelhecimento da bebida [2]. A partir daí, outras publicações e críticos adotaram o mesmo padrão, consolidando essa forma de avaliação como referência mundial.
Na prática, um vinho com menos de 60 pontos geralmente apresenta falhas graves, enquanto notas entre 70 e 80 indicam vinhos corretos, mas sem destaque. Acima de 85 pontos entramos na faixa de vinhos bons a muito bons, e entre 90 e 94 pontos estão aqueles considerados superiores. A partir de 95, falamos de rótulos excepcionais, que se tornaram referências dentro do seu estilo [1].
Apesar da utilidade, críticos e especialistas nem sempre concordam entre si. É comum que haja consenso em vinhos tecnicamente impecáveis ou com defeitos evidentes. No entanto, quando as notas ultrapassam a barreira dos 90 pontos, as diferenças aparecem: alguns valorizam vinhos mais ousados e potentes, outros preferem elegância e sutileza [1].
Vale mencionar também outra forma de avaliação que tem ganhado espaço: o sistema de cinco estrelas do Vivino. Diferente do modelo de 100 pontos dos especialistas, o Vivino funciona com base em avaliações feitas por consumidores, pessoas comuns que compraram e provaram o vinho. Uma nota de 4.0 no Vivino, por exemplo, tende a corresponder a algo próximo de 90 pontos na escala clássica de críticos como Robert Parker; já 4,5 significa estar acima de 99% dos vinhos avaliados na plataforma. Essa abordagem coletiva é especialmente útil — oferece um volume de avaliações muito maior que as das publicações tradicionais e muitas vezes reflete impressões reais de consumidores. Mesmo assim, é importante lembrar que essas notas vêm de paladares variados, e não necessariamente especializados [2][6].
Estudos científicos ajudam a entender por que essa divergência ocorre. Pesquisas mostram que a confiabilidade média entre avaliadores gira em torno de 0,50 e a concordância fica próxima de 0,34, números que indicam uma variação considerável nos julgamentos [3]. Outras análises realizadas em competições de vinho revelaram que, embora os juízes apresentem consistência maior do que seria esperado por acaso, o nível de acordo ainda é inferior ao observado em outras áreas de expertise consolidada [4]. Curiosamente, trabalhos recentes demonstraram que essas avaliações podem até ser aproveitadas como indicadores em pesquisas sobre mudanças climáticas, já que refletem de maneira indireta a qualidade da safra em função das variações do clima [5]. Um estudo de 2024 também trouxe uma conclusão interessante: mesmo quando o vinho é o mesmo e as condições de prova são idênticas, os avaliadores podem dar notas diferentes devido a fatores subjetivos e ao contexto em que a degustação acontece [6].
A degustação às cegas, nesse sentido, tornou-se uma ferramenta essencial para reduzir vieses. Quando os juízes não sabem o preço, a origem ou o produtor, o julgamento tende a ser mais imparcial [7].
Experimentos clássicos comprovaram o poder da sugestão: em uma prova célebre, um vinho branco tingido artificialmente de vermelho foi descrito como se fosse tinto. Outros testes mostraram que consumidores não conseguem distinguir vinhos caros de baratos quando não têm acesso à informação do preço [7]. A própria análise estatística do famoso “Julgment of Paris”, que em 1976 colocou vinhos californianos no mesmo nível dos franceses, indicou que os resultados apresentavam variabilidade tão grande quanto uma sequência aleatória de números [8].
No fim das contas, as classificações de vinho têm o seu valor, mas precisam ser entendidas dentro do contexto. São especialmente úteis quando o consumidor já tem familiaridade com uma determinada uva ou região. Nesse caso, a nota pode orientar a escolha dentro de um perfil conhecido. No entanto, não garantem que uma pessoa vá gostar mais ou menos de um vinho, já que gosto envolve memória, cultura e preferências individuais [9].
Referências
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Wine Folly. Wine Ratings Explained. Disponível em: https://winefolly.com/tips/wine-ratings-explained/
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Wikipedia. Robert Parker (wine critic). Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Robert_Parker_(wine_critic)
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Hodgson, R. T. Reliability and Consensus of Experienced Wine Judges: Expertise Within and Between. Journal of Wine Economics, 2008.
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Ashton, R. Judging Reliability at Wine and Water Competitions. Journal of Wine Economics, Cambridge University Press, 2012.
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Biasi, R. et al. Wine ratings as indicators for climate change research. Language and Intercultural Communication, 2023.
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Sáenz-Navajas, M. P. et al. Why do wine experts give different ratings to the same wine?. Food Quality and Preference, Elsevier, 2024.
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Wikipedia. Blind wine tasting. Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Blind_wine_tasting
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Wikipedia. Judgment of Princeton. Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Judgment_of_Princeton
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Wine Folly. What I Wish I Knew When I First Got Into Wine. Disponível em: https://winefolly.com/tips/what-i-wish-i-knew-when-i-first-got-into-wine/
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